11-10-2019, 20:35
Bom Cerqueira. Eu fiz um planejamento de viagem para fugir de grandes centros. Então saí de Pirassununga para a Argentina e a idéia era pegar a Rota 40 no lugar mais alto possível. Acessei ela por Santa Maria, após passar por Tafi del Valle. Cheguei ali no terceiro dia e ali começou a brincadeira. Meu roteiro era bem aberto, com possibilidades mil, onde eu verificava o tempo e saia e parava onde queria para dormir. Não queria nenhum tipo de pressão e a ideia era chegar na verdade em Torres del Paine, mas sem nenhuma obrigação. Vendo pelo Maps, vi que na região de Mendoza havia uma estrada paralela a rota 40, de Las Flores até Uspallata e deixei ali, engavetada a idéia. Eu queria dormir em Uspallata para poder sair cedo para o Cristo de Los Andes, onde vc contorna o Passo dos Libertadores por estrada de terra. Segundo informações, não muito confiáveis, eu poderia descer direto para Chile pois havia uma casinha que faria a parte da Alfandega. Como eu estava de ótimo astral, descendo a Rota 40 resolvi fazer Las Flores-Uspallata e não passar por Mendoza. Conheceria os Caracoles e voltaria pra rota 40 e lá embaixo eu tentaria, se o tempo permitir, entrar na Carreteira Austral por Futaleufu. Pois bem, fui até Las Flores onde tem uma Termas, e cheguei num posto com apenas 4km de autonomia...o dia estava emocionante. Abasteci e perguntei sobre o caminho até Uspallata e o frentista falou que dava para ir. E fui, seriam uns 70-90 km de rípio, e os primeiros 30k foram relativamente fáceis. Daí encontrei um Cristo no meio do nada e foi um momento bem legal de introspeção. O acesso ali já foi bem difícil. Aqui, um parenteses: no caminho de santiago dizem que sua mala é do tamanho do seu medo. E eu estava pesado, levando inclusive um pneu pois 2 amigos tiveram problemas nas regiões mais remotas. Levava ainda Barraca e saco de dormir. Não tive quase nenhum tipo de medo na viagem, mas na preparação foi desafiadora para mim. Fecha parenteses. Após o Cristo, o rípio começou a ficar muito fofo. Não passava carros por ali e durante o dia todo devo ter cruzado com 1 ou 2 carros. Chegou uma hora que não conseguia mais desenvolver velocidade com a moto. E comecei a derrubar ela, devagar. Tentava pegar velocidade, mas era difícil com o peso e minha habilidade. As xs eu caia 10 metros depois da última queda. Caí 2 vezes com mais velocidade e longe da moto. Um delas foi tão gostoso e fofinho eu cair nas pedras fofas que levantei e comecei a rir sozinho, imaginando a cena e o mico que estava vivendo e como contaria isso para os colegas. Imaginei que estava ficando bom em cair em rípio. O problema que fui ficando cansado e não conseguia levantar a moto carregada. Então eu desmontava tudo, levantava a moto, montava tudo e ia. Quando caía de novo falava. Não chora. Na pousada vc chora. Foco e manda bala. Ação. Numa das vezes derrubei as chaves dos baús na estrada e não percebi. Caí mais ou menos 1 km adiante e quando fui procurar as chaves para desmontar não encontrei mais. Fiquei ali...olhando a paisagem...até lembrei do Paulo Coelho quando encontrou o Diabo no Diário de um Mago. Eu tava ali com o meu demônio....pensativo.... De repente tive um insight que a chave estaria na beira da estrada. Abandonei tudo lá jogado com a moto no meio da estrada caída e fui andando pela estrada procurando o ponto de queda e .... achei a chave jogada no meio da estrada.
. Voltei e segui adiante, a bolha já estava rachada e numa das quedas caí de mau jeito e percebi uma dor diferente, que nunca tinha sentido na vida.... onde ela foi da costela para os estremos do corpo, lentamente.... uma onda percorrendo meu corpo e veio o primeiro pensamento... Marcelo...vc se machucou...fiquei ali um tempo...parado...e vi que tinha algo errado. Mas não pensei em costela quebrada, pois alguns meses antes eu tinha caído de bike e bati as costelas e a dor na situação da bike foi pior que a quebra das costelas. Saí...lentamente desmontei a moto...tentei levantar duas xs e vi que não tinha força. Fiquei ali um tempo....por incrível que pareça a calma reinava na minha alma....fiz buracos para a roda entrar e minimizar a altura do que eu levantaria ela...e em posição vertical da coluna eu não sentia muito as costelas. Na hora já tomei um anti-inflamatório para minimizar o estrago feito. Consegui levantar a moto. Montei tudo devagar, baixei a suspensão ao máximo e saí com ela quase arrastando os pés no chão. Percebi que eu não tinha força do lado esquerdo do corpo e depois eu descobri que eu estirei a musculatura do braço também. E saí devagar. Não lembro direito, mas acho que derrubei a moto ainda 1 ou 2 vezes. Lá na frente encontrei um casal de americanos pedalando. Eles já tinham feito a carreteira austral e estavam subindo, mas tinham desistido do caminho e estavam voltando, pois não conseguiam andar naquele rípio louco. Falei pra eles que mais pra frente pioraria mais ainda e eles ficaram muito gratos até por estarem tomando a decisão certa. Estavam bem chateados por terem desistidos do caminho. Cheguei no asfalto e fui mais uns 20km até Uspallata.Cheguei lá e tive um pouco de tontura na cidade, a mesma coisa que aconteceu na bike. Parei um pouco, e depois fui para uma pousada. Tomei um banho, outro antiinflamatório e dormi. Quando acordei vi que tinha pouca força para sair da cama. Fiquei bem chateado e veio uma deprê legal. Pior momento da viagem. Eu tinha um médico no zap e uma fisioterapeuta. Liguei pra eles, conversei bastante, me alertaram das consequências possíveis. As 3 da manhã estava lá eu...acordado...pensando o que fazer...em desistir ou não da tão sonhada viagem. Tinha rodado uns 3500km de 15000km planejado. Fique lá, imaginando eu em casa...parado... com dor passando a minhas férias sem fazer nada. As 3 e pouco tive outro insight. Ia continuar....apareceu um leve sorriso na face com a decisão....eu tinha um bom plano de saúde para a viagem....se apertasse a situação eu pararia em alguma cidade maior. Refis as rotas, abandonei a ideia de barraca, abandonei o Cristo de Los Andes e parti para San Rafael. Achei muito interessante pois quase não tinha dor na moto. O problema era subir nela, mas de resto ia relativamente tranquilo. E assim fui. A maior dificuldade era na cama. Não havia posição boa, na verdade fui aprendendo com ela ..me adaptando. Comecei a pegar quartos com banheira e deitava na agua quente. Quando cheguei em El Chaltén ainda fiz 2 das 3 trilhas que queria fazer. Achei prudente não ir ao tão sonhado Fitz Roy, mas cheguei perto e tirei algumas fotos. Em Torres del Paine também não pude fazer o trekking planejado, mas passeei no parque com a motoca e foi bem legal também. Meu estado de paz e tranquilidade da mente por estar vivendo 100% do dia como algo novo, onde a mente não podia aproveitar nada para autocompletar foi um experiência fantástica. Após Torres del Paine vi que estava a 800 e poucos km do Ushuaia e tinha alguns dias que resolvi esticar la. E foi sensacional. Sou muito grato por tudo que vivi. Chegando em Pira resolvi fazer o RX onde se confirmo a quebra de 3 costelas. É isso. Ainda tive a oportunidade de entrar em Futaleufu e ir para Puihuapi e rodei uns 4-5 dias na Carreteira Austral. Simplesmente divina. É um lugar que dá pra viajar muitas vezes, pois tem muita coisa pra conhecer. Acabei decidindo voltar pela rota 3. A ideia era voltar pela 40 e completar as partes que pulei. Levei 20-22 dias pra chegar no Ushuaia e voltar pela 3 não foi a melhor decisão mas foi bom para conhecer. É mais ou menos isso a história da Costela. A história da viagem é outra. Espero que gostem.
